Boaventura Modernidade,identidade e cultura de fronteira
Tempo Social; Rev. Sociol. USP, e cultura 5(1-2): 31-52, Social;
A R T I 31-52,
1993 (editado em nov. 1994).
(editado em nov. 1994).
Modernidade, identidade e a cultura de fronteira
BOAVENTURA DE SOUSA SANTOS
RESUMO: Neste trabalho, procedo a uma análise das identidades de raiz sexual, étnica e cultural, à luz do processo histórico que as pretendeu suprimir — aliás sem êxito, como agora se verifica. A propósito, refiro-me às contestações romântica e marxista do reducionismo operado pela modernidade na sua versão hegemônica. Preocupo-me, em especial, com a questão da identidade da cultura portuguesa e proponho uma hipótese de trabalho sobre a sua caracterização.
UNITERMOS: modernidade, subjetividade, identidade, cultura, cultura de fronteira,
Portugal,
semiperiferia.
1. Introdução
Sabemos hoje que as identidades culturais não são rígidas nem, muito menos, imutáveis. São resultados sempre transitórios e fugazes de processos de identificação. Mesmo as identidades aparentemente mais sólidas, como a de mulher, homem, país africano, país latino-americano ou país europeu, escondem negociações de sentido, jogos de polissemia, choques de temporalidades em constante processo de transformação, responsáveis em última instância pela sucessão de configurações hermenêuticas que de época para época dão corpo e vida a tais identidades. Identidades são, pois, identificações em curso. Sabemos também que as identificações, além de plurais, são dominadas pela obsessão da diferença e pela hierarquia das distinções. Quem pergunta pela sua identidade questiona as referências hegemônicas mas, ao fazêlo, coloca-se na posição de outro e, simultaneamente, numa situação de carência e por isso de subordinação. Os artistas europeus raramente tiveram de perguntar pela sua identidade, mas os artistas africanos e latino-americanos,