bernardo carvalho
Giovanna Dealtry1
Também as estórias não desprendem apenas do narrador, sim o perfomam; narrar é resistir
(Guimarães Rosa)
“Réquiem”, um dos poemas mais conhecidos da poeta russa Anna Akhmátova, tornou-se um libelo não só contra o regime stanilista, mas, igualmente, sobre as vítimas invisíveis que as guerras e governos autoritaristas produzem. No trecho inicial, nomeado “à guisa de prólogo”, lemos:
(...) passei dezessete meses nas filas das prisões de Leningrado./Uma vez, alguém me reconheceu. E então uma mulher de lábios azuis atrás de mim, que obviamente nunca ouvira ninguém me chamar pelo nome, saiu do estupor ao qual todos tinham sucumbido e sussurrou no meu ouvido (ali, todo mundo sussurrava):/“Você pode descrever isto?”/ E eu respondi: “Sim, eu posso.” / E, então, o que parecia um sorriso passou pelo que um dia havia sido um rosto.” (CARVALHO:2009,16-17)2
A escrita comparece aqui não somente como denúncia, mas como memória de um presente que parece eterno. Esse mesmo trecho de “Réquiem” é incorporado à parte inicial do romance O filho da mãe. Através da lembrança da personagem Iúlia, cuja avó seria a mulher de lábios azuis que faz o pedido a Akhmátova, Carvalho constrói uma longa linhagem de mulheres cuja principal tarefa é não sucumbir enquanto lutam pelo retorno de seus pais, filhos, maridos dos campos de guerra, do exílio, das prisões.
Essa interlocução produzida entre Akmátova e Carvalho pode ser vista como um caminho inicial para a aproximação de um romance cuja linha mestra mergulha na conturbada triangulação entre mães, filhos e as constantes guerras envolvendo Tchetchênia e Rússia. Do mesmo modo que a poeta desvela o drama dos que aguardam em silêncio - a própria Akhmatóva à porta da prisão de Leningrado espera o momento de ver seu filho - interessa a Bernardo Carvalho os vestígios que o horror imprimiu às faces desses sujeitos: meros soldados rasos, mães e