Balelas
Texto de Miguel Torga
Ilustrações e arranjo gráfico Hugo Oliveira
Impressão sala C07
Colecção Oficina Gráfica
De “Os Bichos”
Morgado
De Autoria de Miguel Torga
À ceia, o patrão, com cara de poucos amigos, recusara-lhe as festas desta maneira:
- Deixa-te lá de brincadeiras e enche-me esse bandulho, que amanhã de madrugada, nem que chovam picaretas...
Tal e qual. Meteu a viola no saco, claro, e atirou-se ao penso como pôde.
Mas não sentia vontade. Tinha ainda no estômago os tojos que despontara à tarde no monte, e andava, sem saber porquê, de coração apertado. Além disso, aqueles modos do dono até parece que endureciam o feno. A gente também vive de boas palavras. E, verdade se diga, gostava do sujeito. Desde que ele, há seis anos, na feira dos vinte e três, o distinguira no meio dum regimento de azémolas e lhe dera uma palmada rija na anca, simpatizara com a sua figura atarracada, vermelha, a respirar saúde e bonomia.
- Quanto custa o jerico?
- Vinte libras.
- Não é estampa para tanto dinheiro. Ai o alma do diabo a desfazer!
- Vinte libras, nem menos um real.
- Deixe o garrano por dezasseis, e já é caro como fogo...
O cigano! Mas logo que o viu contar as dezassete moedas e pegar-lhe à arreata, cantou aleluias. Estava farto das bebedeiras do Preguiças. Cheio até às orelhas de subir a malvada ladeira da Queda a ouvir-lhe as asneiras de bebedolas. Mas era um macho!
Aguentava no lombo quinze alqueires de pão como se fossem quinze alqueires de penas. Estribado nisso, o moleiro, com cardina ou sem ela, nas feiras, punha o preço em vinte libras. Resultado: ninguém o levava.
- Você quer que lho carreguem de oiro!
- É pegar ou largar.
E tinha de regressar à loja, à maldita loja encostada ao moinho, ao lado da roda, sempre molhada e toldada de barulheira, e no dia seguinte trepar novamente a encosta, ao som da ladainha do costume.
Zumba na barra da saia, ó Zé...
Comida - carqueja, palha cevada