Auto da Índia
O Auto da Índia (1509), de Gil Vicente, apresentado em Almada perante a rainha D. Leonor, é o primeiro texto teatral onde é representada uma intriga, uma história completa e atual. Se o tema do adultério é intemporal, as circunstâncias "deste" adultério são as da primeira década do século XVI, quando, por trás da glória e da fachada épica da expansão ultramarina, era já possível perceber as profundas alterações, nem todas positivas, que essa expansão estava provocando na sociedade portuguesa. A mesma idéia foi expressa sessenta anos mais tarde por Camões, no episódio do "Velho do Restelo".
Há outros aspectos que distinguem este auto dos anteriores. Além de ser o primeiro a contar uma intriga, com princípio e fim, é também a primeira "farsa" escrita por Gil Vicente e a primeira das suas peças escrita maioritariamente em português. No Auto da Índia a única personagem a falar em castelhano é o "Castelhano", com o objetivo óbvio de conseguir o efeito de real. Por último, é também o primeiro auto a pôr em cena personagens femininas.
ESTRUTURA INTERNA
Por representar uma intriga com princípio e fim, é fácil identificar a sua estrutura tripartida. A ação mostra ao público o adultério da Ama, o que exige a ausência do Marido.
Assim, a 1ª parte corresponde à fase de expectativa da Ama, relativamente à partida ou não do Marido, e à distensão que se segue à confirmação da saída da armada e que ela aproveita para confessar a sua pré-disposição ao adultério. Vai até ao verso 96.
A 2ª parte é a fase do adultério. Sucessivamente, entram em cena os pretendentes, Castelhano e Lemos; o adultério consuma-se; a Ama revela, sem qualquer escrúpulo ou pudor, toda a sua leviandade, falsidade e imoralidade.
A partir do verso 393 entramos na 3ª parte, que corresponde à chegada do Marido. Desaparecem as condições que propiciaram o adultério e a Ama leva ao auge a sua hipocrisia.
Poderá parecer estranho que o crime da Ama fique impune, mas