AURELIAO DE ORELHA
599 palavras
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AURELIÃO DE ORELHAuem tem dicionário leva uma vida bastante segura e ordenada. É como se o volumão na estante influísse nos fluidos do indivíduo e a vida fluísse na confluência das certezas. Algo parecido com andar em montanha-russa plana.
Sem o livrão na prateleira, o cotidiano se torna cheio de transtornos no entorno. É o que acontece com quem leva para casa palavras ouvidas a esmo, como gatos extraviados. Em vez de formar uma gataria, vira um vocabulário estropiado. Como a sala de espelhos nos parques de diversões, onde os sons e os sentidos se entortam.
Por causa de pontos volumosos na sola dos pés, o sujeito liga para uma pedicure:
– Queria marcar uma hora. Tenho calopsitas nos pés.
A profissional logo se livra do engraçadinho:
– Senhor, seu caso é para atendimento especializado na Austrália.
Na loja macrobiótica, ele solicita um quilo de açúcar mascate.
Um risinho disfarçado percorre o balcão. Assim que sai porta fora com sua doçura escura, a gargalhada ressoa no templo natureba.
Em meio a uma discussão sobre o sexo dos anjos, ele argumenta que pode muito bem haver uma diferença entre ourelas angelicais.
Ao redor, seus interlocutores se indagam sobre a grife grafada nas auréolas das cuecas dele.
Uma linda mulher de cabelos negros cruza com os instintos dele na calçada, que sussurra um galanteio na direção dela:
– Que morena cor de tambo!
Transformada em albina pela expressão, a moça dardeja um olhar de rejeição. Ele volta à vaca fria.
Ao assistir na tv um programa sobre o mundo animal, onde esclarecem que antas e elefantes são proboscídeos, conclui:
– Ah, então os homens probos não descendem dos primatas!
Quando o maitre o consulta sobre o vinho para acompanhar o jantar a dois, seu domínio da enologia transparece na escolha.
Não quer nem riesling nem sauvignon:
– Traga um clarinete, por favor.
Para prevenir e combater resfriados com vitamina C, recorre a certas bancas do Mercado Público, onde