Ateismo
André Cancian
1. Introdução
Sempre tive a curiosidade de entender por que se acredita na existência de deus. Quero dizer, eu sei que deus não existe, mas sei também que se acredita nele. E, se se acredita, deve haver algum motivo para isso — algum motivo humano.
Porém, como os próprios indivíduos que creem nesse tipo de “entidade” parecem ignorar esse tipo de detalhe, e como os ateus em geral contentam-se com refutações conceituais da existência divina, nunca foi fácil distinguir o melhor caminho a ser tomado para investigar esse tipo de questão.
Seria fácil demonstrar que crenças religiosas estão equivocadas quanto ao mundo exterior. Porém, a ideia nunca foi simplesmente rotulá-las como “equivocadas” e encerrar a discussão. Queria também entendê-las quanto àquilo em que estão certas — isto é, quanto ao nosso mundo interior. Noutras palavras, por que a crença religiosa funciona, se sabemos que é falsa? 2. A raiz emocional da crença
Depois de alguns anos refletindo sobre o assunto, cheguei a um modelo que parece razoável para explicar esse fenômeno.
A premissa é que a crença religiosa baseia-se em sentimentos, sendo a racionalização de tais sentimentos na forma de “explicações” aquilo que constitui a esfera “conceitual” da crença religiosa. Sabemos que, nesse nível conceitual — no sentido de ser uma “explicação” para o mundo —, a religião está em geral equivocada, havendo abundantes evidências disso no meio científico. Porém, o que nos interessa aqui é entender a esfera “humana” da crença religiosa, não o mero reflexo linguístico disso, as racionalizações desse sentimento.
O problema é que, para tornar um sentimento comunicável, precisamos racionalizá-lo, transformá-lo em conceitos — e tais conceitos, baseando-se em sentimentos pessoais que antecedem a linguagem, serão algo incompreensível aos que não tiverem vivido esses mesmos sentimentos pessoalmente. Serão algo, por assim dizer, “criptografado”. No caso, a única chave