As Profissoes
Um ideal muito antigo é o da língua que diga melhor o mundo e a alma do que as línguas que de facto existem. A ideia é utópica no sentido primeiro da palavra, uma vez que está de facto presente em várias utopias, a começar, aliás, pela de Thomas More, que inaugura o género. Nos relatos de viagens imaginários em que um viajante europeu encontra uma sociedade ideal, essa sociedade tem muitas vezes, além de uma organização social melhor do que a dos países conhecidos, também uma língua mais perfeita do que as línguas conhecidas.
Se o texto de Thomas More apenas nos diz da língua da ilha de Utopia que é uma “língua rica, harmoniosa, que é fiel intérprete do pensamento”, já Gabriel de Foigny, outro utopista, faz uma descrição bem mais detalhada, em La Terre australe connue, da língua falada pelos povos Hermafroditas que habitam essa Terra Austral. É uma língua que tem, entre outras, a particularidade interessantíssima de fazer corresponder a cada unidade fonológica uma unidade semântica. Assim, as vogais referem “as coisas que não têm nenhum composição” (“o primeiro e o mais nobre [elemento] é o fogo que eles exprimem por a; o seguinte é o ar significado por e; o terceiro, o sal, explicado por o; o quarto, a água, a que chamam i; o quinto, a terra, que designam u”) e, das 36 consoantes, 18 ou 19 das quais não podem ser explicadas pelas consoantes europeias, cada uma significa “uma qualidade que convém às coisas significadas pelas vogais. Assim, b indica claro; ç, quente; d, desagradável; f, seco, etc.” Desta maneira, “eles formam tão perfeitamente os seus nomes que, ao ouvi-los, se concebe imediatamente a explicação e a definição do que estes designam. (...) Chamam às estrelas “aeb”, palavra que explica a sua composição de fogo e água e claridade; chamam ao sol “aab”; às aves, “oef”, marca da sua solidez e da sua matéria aérea e seca. Ao homem, chamam “uel”, que significa a sua substância em parte aérea e em parte