As Miniaturas
Na primeira, conhecemos o Midoro Filho (referência ao grande codificador da decifração dos sonhos na Antiguidade, Artemidoro de Daldis[2]), em plena Praça de Sé, onde trabalham os Oneiros, funcionários encarregados de oferecer aos sonhantes miniaturas que servem de estímulo para a atividade que caracteriza o nome dos clientes. É maravilhosa a maneira como a lufa-lufa administrativa e corriqueira do edifício (regulamentos, diretivas de gestão) e a sua oferta de “serviços” são caracterizadas pela autora paulista. O protagonista, em grave infração, atende membros da mesma família (mãe e filho), envolvendo-se em demasia com eles. Isso acarretará sua degradação burocrática, ao mesmo tempo em que se dá conta do grau em que o aleatório rege sua prática (“Não há provas, apenas tendências, e tendências qualquer um tem…”[3]). Mesmo numa instância “fantástica”, não se escapa à maldição pós-moderna: a perda de uma Grande Narrativa que dê conta das atividades e destinos humanos. O trabalho do Oneiro com as miniaturas não seria apenas uma técnica arbitrária, uma convenção, mais uma forma de burlar escolhas individuais?
Não confunda com sonhadores. Sonhantes dormem e enxergam de olhos bem fechados enquanto sonham de verdade. E sonhantes só sonham porque, assim como Ariadne precisou desenrolar um novelo de linha para não se perder, eles precisam de provocações e de apetrechos externos que os façam manter o rumo. No caso, de miniaturas feitas de lata preservadas dentro de uma gaveta e catalogadas em ordem alfabética por um profissional.
Um oneiro que se preze entende de pelo menos vinte e cinco animais diferentes. “Sonhar com um camelo correndo significa que alguém que já aborreceu a pessoa está retornando”, esclarece um dos narradores