as manifestações culturais de residencias aos governos autoritarios nas decadas de 1960 e 1970
Talvez não tenha havido um momento da história recente mais marcado pela convergência entre política, cultura, vida pública e privada que os anos 1960 - não só na sociedade brasileira, sobretudo entre a intelectualidade mundial. Para pensar essa convergência, tenho usado a meu modo o conceito de romantismo revolucionário, formulado por Michael Löwy e Robert Sayre (1995).
Eram anos de guerra fria entre os aliados dos Estados Unidos e da União Soviética, mas surgiam esperanças de alternativas libertadoras no Terceiro Mundo, inclusive no Brasil, que vivia um processo acelerado de urbanização e modernização da sociedade. Naquele contexto, certos partidos e movimentos de esquerda, seus intelectuais e artistas valorizavam a ação para mudar a História, para construir o homem novo, nos termos de Marx e Che Guevara. Mas o modelo para esse homem novo estava no passado, na idealização de um autêntico homem do povo, com raízes rurais, do interior, do "coração do Brasil", supostamente não contaminado pela modernidade urbana capitalista, o que permitiria uma alternativa de modernização que não implicasse a desumanização, o consumismo, o império do fetichismo da mercadoria e do dinheiro. São exemplos no âmbito das artes: o indígena exaltado no romance Quarup, de Antonio Callado (1967); a comunidade negra celebrada no filme Ganga Zumba, de Carlos Diegues (1963), e na peça Arena conta Zumbi, de Boal e Guarnieri (1965); os camponeses no filme Deus e o Diabo na Terra do Sol, de Glauber Rocha (1963), etc. Em suma, buscava-se no passado uma cultura popular autêntica para construir uma nova nação, ao mesmo tempo moderna e dasalienada, no limite, socialista.
Eram versões de esquerda para as representações da mistura do branco, do negro e do índio na constituição da brasilidade, não mais no sentido de justificar a ordem social existente, mas de questioná-la. É a isso, em linhas gerais,...