As duas vias da civilização
As duas vias da mundialização
SÉRGIO PAULO ROUANET
Se nós, alemães, não olharmos além do círculo estreito do nosso próprio horizonte" disse Goethe, numa de suas conversas com Eckermann, "cairemos facilmente num obscurantismo pedante. Por isso gosto de olhar para o que se faz nos países estrangeiros e aconselho a todos que façam o mesmo. A literatura nacional não quer dizer grande coisa hoje em dia. Chegou a hora da literatura mundial, e cada um de nós deve contribuir para acelerar o advento dessa época." Poucos anos depois, Marx afirmava no "Manifesto Comunista" que "os produtos intelectuais das diferentes nações se transformam em patrimônio comum. A unilateralidade e a estreiteza nacionais se tornam crescentemente impossíveis, e uma literatura mundial se constitui a partir das várias literaturas nacionais e locais". O pensamento é o mesmo.
E até a forma é semelhante. Tanto Goethe quanto Marx usam a expressão "Weltliteratur", literatura mundial, e nos dois casos a literatura funciona como alusão metonímica à cultura como um todo. O que os dois autores estão dizendo é que hoje em dia as culturas puramente locais estão condenadas ao "obscurantismo", à "unilateralidade" e à "estreiteza", e que elas deveriam ultrapassar seu paroquialismo, convergindo para a formação de uma cultura mundial. Após um século e meio, isso já aconteceu em grande parte. A cultura mundial, detectada "in statu nascendi" pelos dois pensadores, está-se ampliando de modo avassalador. Cada vez mais os valores, símbolos e produtos culturais extravasam as fronteiras nacionais, e cada vez menos eles podem ser reduzidos à mera soma das culturas locais, ou à extroversão imperialista de uma cultura nacional hegemônica.
Mickey e grande arte
Mas a cultura mundial é ambígua. De um lado, ela é composta de bens culturais de massa, desprendidos do seu país de origem, oferecendo uma