Artigo da UFBA sobre o Livro Viva o Povo Brasileiro
Universidade Federal da Bahia
VI VA O POVO B RASI LEIR O: HISTÓRIA E
IMAGINÁRIO
O sentido histórico comporta três usos que se opõem, palavra por palavra, às três modalidades platônicas da história. Um é o uso paródico e destruidor da realidade que se opõe ao tema da história reminiscência, reconhecimento; outro é o uso dissociativo e destruidor da identidade que se opõe à história-continuidade ou tradição; o terceiro é o uso sacrificial e destruidor da verdade que se opõe à história-conhecimento. Michel Foucault, “Nietzsche, a genealogia e a história”
1
A insistência de João Ubaldo Ribeiro em afirmar, mesmo antes do lançamento, que Viva o povo brasileiro “não é um romance histórico” parece vã, diante da quantidade de episódios consagrados da história brasileira e de procedimentos ou recursos da historiografia que perpassam o romance. Seja a abrangência temporal rigorosamente marcada, em uma narrativa que abarca de 20 de dezembro de 1647 a 07 de janeiro de
1977, com uma oscilação de datas que não fere a cronologia, apenas indica o desenvolvimento paralelo e alternado de mais de um fio narrativo; seja a permanente articulação da trajetória das personagens a acontecimentos e versões estabilizados pela historiografia oficial. A catequese, a invasão holandesa, a independência da Bahia, o regime escravista e sua abolição, a proclamação da república e o golpe de 1964 são exemplos quase aleatórios entre os muitos capítulos da história do Brasil que o seu texto incorpora; mais expressiva ainda dessa familiaridade é a convivência de formas renovadas e atuais com formas arcaicas de fazer história, que dão ao romance a sua singularidade.
A negativa prévia e peremptória do autor talvez decorra, por um lado, da impossibilidade de reconhecer, nas obras dos que podem ser considerados seus pares, o
“romance histórico” – uma forma própria do século anterior, quase, portanto, um anacronismo. A vertente da ficção brasileira no século vinte da qual o autor descende