Artigo Acadêmico

LEITURA: CONFRONTO DE IMAGINÁRIOS
(Ou: “Já não se lê mais como antigamente”) 1
Raquel Goulart Barreto
A imagem Uma sala bastante grande que, no entanto, parece pequena para tanta gente. Gente de vários tamanhos e muitas outras diferenças. Gente miúda, gente maior. Meninos e meninas; gordos, magros e mais ou menos; pretos, brancos, mulatos - todos de uniforme: azul-marinho e branco. Sentados em carteiras velhas, os olhos viajando por entre janelas, paredes, as costas dos colegas das filas adiante, o livro na frente, e o olhar miúdo da mulher sentada na mesa que fica de frente para todos. De vez em quando, a mulher também olha para o livro, bem na frente dela, mas logo depois parece estar muito longe, num tempo bem distante. Sem que ninguém perceba, ela está sentada na primeira fila, de uniforme azul-marinho e branco, viajando nas páginas daquele livro fantástico. No finzinho, as lágrimas descendo pelo rosto, por conta da emoção subindo pelo corpo. O olho apertado e depois miúdo, porque é feio chorar na sala de aula. Olhar apertado da contenção. Olhar miúdo e tenso. Dá uma passada pela ficha de chamada, mexe na bolsa, olha para a janela. Acaba tendo que zangar com o engraçadinho que joga uma bolinha de papel no colega. Ali, parada, não sabe se grita ou se chora. Só sabe do nó na cabeça e na garganta. Nó de falta de dinheiro, de esperança, de tanta coisa! Ela, Professora de Português e Literaturas, justamente por gostar tanto de ler, diante de alunos que não lêem quase nada! Toca uma sirene estridente. Os alunos saem correndo para o recreio. A professora recolhe todo o material sobre a mesa. Na confusão, se esqueceu de passar o dever de casa. Mas, será que adiantaria? Adiantaria, também, tentar dividir isso com seus colegas, na sala de professores? Provavelmente não. Eles também reclamariam dos alunos e ela ainda poderia acabar como a grande culpada: a que não tem conseguido fazer com que os alunos leiam, ou que entendam o que lêem.

As leituras da