Aprender A Viver Luc Ferry Trabalho
Aprender a Viver
Filosofia para os novos tempos
Tradução
Véra Lucia dos Reis
“Para se interrogar, é preciso dois, aquele que interroga e aquilo que é interrogado.
Confundido com a natureza, o animal não pode se interrogar. Eis aí, me parece, o ponto que procuramos. O animal e a natureza são um só. O homem e a natureza são dois.” Não se poderia traduzir melhor o pensamento de Rousseau: o animal é um ser da natureza, inteiramente confundido com ela; o homem é, ao contrário, um excesso; ele é, por excelência, o ser antinatural.
Esse critério exige mais um comentário. Porque você poderia, é claro, imaginar outros mil: afinal, os animais não usam relógio, não utilizam guarda-chuva, não dirigem carros, não ouvem um MP3 nem fumam cachimbo ou cigarro... Por que, nesse caso, o critério da distância em relação à natureza seria mais importante do que qualquer outro?
A questão é absolutamente pertinente. A resposta, porém, não deixa dúvida: é assim porque se trata do único critério inteiramente distintivo no plano ético e cultural. É por causa dessa distância que nos é possível entrar na história da cultura, não ficar preso à natureza, como lhe expliquei há pouco. Mas é também graças a ela que podemos interrogar o mundo, julgá-lo, transformá-lo e, como tão bem se diz, inventar “ideais”, uma distinção entre o bem e o mal. Sem ela, nenhuma moral seria possível. Se a natureza fosse nosso código, nenhum julgamento ético jamais teria vindo à luz. É verdade que vemos humanos se preocuparem com a sorte dos animais, mobilizarem-se, por exemplo, para salvar uma baleia mas, exceto nos contos de fada, alguma vez vimos uma baleia se preocupar com a sorte de um ser humano?
Com essa nova “antropologia”, essa nova definição do próprio homem, Rousseau vai abrir caminho para o fundamento da filosofia moderna. É a partir dela, notadamente, que a mais importante moral laica dos dois últimos séculos vai nascer: trata-se da moral do maior filósofo alemão do século XVIII, Immanuel