Antropologia e Direitos Humanos
Introdução
Passarei em revista quatro grandes temas que revelam a tensão entre normas locais e normas de mais amplo espectro. Em primeiro lugar, abordarei a diferença entre a lei e a moral, cuja distinção se faz necessária para o entendimento da coabitação de uma diversidade de comunidades morais2 no universo de uma nação, frente ao papel mediador da lei (em condições ótimas e em contextos plenamente democráticos, essas comunidades morais podem se desenvolver como verdadeiras jurisdições étnicas bem articuladas com a jurisdição estatal moderna). Em seguida, tratarei da pluralidade de jurisdições estatais, frente ao internacionalismo dos direitos humanos. Examinarei, então, o conflito entre o projeto relativista da antropologia e o projeto universalista dos direitos humanos, e exporei muito sinteticamente as estratégias alternativas propostas por quatro autores para a solução deste impasse. Finalmente, retomarei o tema inicial e defenderei a importância de se considerar a dimensão ética da existência humana como algo distinto tanto da moral quanto da lei moderna. Nessa concepção, o impulso ou desejo ético é visto como motor e fundamento dos direitos humanos em seu constante processo de expansão e a marca definidora de tal impulso é a disponibilidade para a interpelação pelo outro. Para isso, muitos setores já demandam uma antropologia capaz de cumprir um novo papel e de colaborar no complicado processo de expansão do direito e de articulação entre horizontes culturais particulares e uma jurisdição que se confunde com a própria humanidade.
A construção do direito frente à diversidade das comunidades morais
Em novembro de 2002, 41 mulheres indígenas, representantes de povos dispersos pelo extenso território brasileiro, reuniram-se em Brasília, durante uma semana, para participar de uma Oficina de Capacitação e Discussão sobre Direitos Humanos, Gênero e Políticas