Antes da chuva
Uma breve sequência, que aparece na primeira história de Antes da chuva, aparentemente absurda e anacrônica para o espectador que busca construir uma narrativa linear, resume essa complexificação: Anne – que só será “apresentada” ao espectador na segunda história –, em pé no alto de uma vila da Macedônia, assiste ao funeral de Bojan, que teria sido morto por Zamira – o que também só será revelado ao espectador na terceira história; perto dali, um menino tira fotos de Anne com a máquina de Aleksander – que, como se irá saber depois, está morto –, enquanto ao fundo, Kiril corre em direção ao mosteiro, atrasado para a celebração, depois de encontrar Zamira em sua cela na noite anterior. Também na segunda parte do filme, há a seqüência em que Anne examina fotos de guerra. Dentre as fotos está a de Zamira morta e seu corpo estendido ao lado de Kiril; nesse momento da narrativa, Aleksander acaba de partir para Macedônia, ou seja, não houve tempo para ele salvar Zamira da vingança de seus parentes e de ela se refugiar no mosteiro onde se encontra Kiril. Esses e outros momentos do filme abrem para outra possibilidade de configuração do tempo, para além de uma seqüência linear e cronológica, instaurando uma espécie de curto-circuito temporal. Como observa Andréa França: A fotografia de Zamira morta racha a imagem naturalizada, própria às narrativas consensuais, defensoras de um encadeamento “coerente” nas ações e reações, defensoras de um modelo de verdade, de sentido; a fotografia vista por Anne, coloca em xeque o princípio narrativo unificador e questiona a subjetividade implícita na imagem; a fotografia sinaliza para uma modulação narrativa cujo círculo é rachado, desfiado, em perpétua degradação. 399 Constrói-se um tempo interior ao acontecimento, que é feito, retomando a fórmula de Santo Agostinho, 400 da simultaneidade de três presentes implicados: um presente do futuro, um presente do presente, um presente do passado. Opera-se uma ruptura da