ANTC Texto Montaigne
Michel de Montaigne
Quando o Rei Pirro entrou na Itália, e verificou a formação de combate do exército romano, disse: “Não sei que espécie de bárbaros são estes (pois os gregos assim chamavam a todas as nações estrangeiras), mas a formação de combate, que os vejo realizar, nada tem de bárbaro”. A mesma coisa diziam os gregos do exército que a seu país Flamínio conduziu. E Filipe assim falou igualmente, ao perceber do alto de um outeiro a bela ordenação do acampamento daquele que, sob Públio Sulpício Galba, acabava de entrar em seu reino. Isso mostra a que ponto devemos desconfiar da opinião pública. Nossa razão, e não o que dizem, deve influir em nosso julgamento.
Durante muito tempo tive a meu lado um homem que permanecera dez ou doze anos nessa parte do Novo Mundo descoberto neste século, no lugar em que tomou pé
Villegaignon e a que deu o nome de “França Antártica”. Essa descoberta de um imenso país parece de grande alcance e presta-se a sérias reflexões. Tantos personagens eminentes se enganaram acerca desse descobrimento que não saberei dizer se o futuro nos reserva outros de igual importância. Seja como for, receio que tenhamos os olhos maiores do que a barriga, mais curiosidade do que meios de ação. Tudo abraçamos mas não apertamos senão vento1.
Platão mostra-nos Sólon afirmando ter ouvido dos Sacerdotes de Saís, no Egito, que antes do dilúvio existia em frente de Gibraltar uma grande ilha chamada Atlântica, mais extensa do que a África e a Ásia reunidas e que os reis dessa região não possuíam apenas a ilha mas exerciam igualmente sua autoridade tão longe, em terra firme, que ocupavam a África até o Egito e a Europa até a Toscana. Que haviam empreendido ir até a Ásia e subjugar as nações do Mediterrâneo até o golfo formado pelo mar Negro; que para tanto haviam atravessado a Espanha, a Gália, a Itália e chegado à Grécia onde os atenienses sustaram a arremetida; que algum tempo depois sobreviera o dilúvio que os afogara juntamente com os