Adeus a machado de assis
Rui Barbosa
DESIGNOU-ME A ACADEMIA BRASILEIRA DE LETRAS para vir trazer ao amigo que de nós aqui se despede, para lhe vir trazer, nas suas próprias palavras, num gemido da sua lira, para lhe vir trazer o nosso "coração de companheiros". Eu quase não sei dizer mais, nem sei que mais se possa dizer, quando as mãos que se apertavam no derradeiro encontro, se separam desta para a outra parte da eternidade. Nunca ergui a voz sobre um túmulo, parecendo-me sempre que o silêncio era a linguagem de nos entendermos com o mistério dos mortos. Só o irresistível de uma vocação como a dos que me chamaram para órgão desses adeuses me abriria a boca ao pé deste jazigo, em torno do qual ao movimento das emoções reprimidas se sobrepõe o murmúrio do indizível, a sensação de uma existência cuja corrente se ouvisse cair de uma em outra bacia no insondável do tempo, onde se formam do veio das águas sem mancha as rochas de cristal exploradas pela posteridade. Do que a ela se reserva em surpresas, em maravilhas de transparência e sonoridade e beleza na obra de Machado de Assis, di-lo-ão outros, hão de o dizer os seus confrades, já o está dizendo a imprensa, e de esperar é que o diga, dias sem conta, derredor do seu nome, da lápide que vai tombar sobre o seu corpo, mas abrir a porta ao ingresso da sua imagem na sagração dos incontestados, a admiração, a reminiscência, a mágoa sem cura dos que lhe sobrevivem. Eu, de mim, porém, não quisera falar senão do seu coração e da sua alma. Daqui deste abismar-se de ilusões e esperanças que soçobram ao cerrar de cada sepulcro, deixemos passar a glória na sua resplandecência, na sua fascinação, na impetuosidade do seu vôo. Muito ressumbra sempre da nossa debilidade na altivez do seu surto e na confiança das suas asas. As arrancadas mais altas do gênio mal se
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