ABORTO E DIREITOS HUMANOS NA AM RICA LATINA
Desconstruindo o mito da proteção da vida desde a concepção por Roberto Arriada Lorea – Juiz de Direito do Rio Grande do Sul
Quando o debate sobre o direito ao aborto ingressa na agenda política brasileira, aqueles que são contrários à proteção integral dos direitos humanos das mulheres, retomam o discurso de que a Constituição Federal de 1988 protege o direito à vida desde a concepção.
Sobre esse mito, o mito da proteção jurídica da vida desde a concepção, é que gostaria de abordar o tema da descriminalização do aborto no Brasil, com reflexos em outros países da América Latina.
A Constituição Federal vigente no Brasil não recepcionou a doutrina da proteção da vida desde a concepção, posto que deixou de fazê-lo expressamente, como seria necessário para que assim fosse interpretada, a exemplo do que ocorreu em outros países. Tentando alterar essa realidade, o discurso conservador tem difundido, com sucesso, o mito de que a Convenção Americana de Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica, de 1969) assegura a proteção da vida desde a concepção.
Assim, afirma-se, como o Estado brasileiro é signatário da Convenção Americana de Direitos Humanos, qualquer tentativa de descriminalizar o aborto no Brasil – e outros países da América Latina – afrontaria o ordenamento jurídico nacional, à luz do Pacto de
São José. Alguns operadores do Direito brasileiros, aprofundando-se no equívoco, sustentam que mesmo as hipóteses de abortamento legal já previstas no Código Penal de
1940, hoje seriam inconstitucionais, face à proteção da vida desde a concepção, assegurada nesse Pacto.
Referido Pacto, no artigo 4º, inciso I, estabelece que “toda persona tiene derecho que se respete su vida. Este derecho estará protegido por la ley y, en general, a partir del momento de la concepción. Nadie puede ser privado de la vida arbitrariamente”.
Sustentar que esse dispositivo impede que os Estados signatários do Pacto descriminalizem o aborto,