Abba
Vai para dez anos que assisti de perto o trabalho criador de alguns doentes mentais; neles o processo de criar ou pintar se fazia, realmente sem controle consciente ou intelectual. Vi Raphael traçar em segundos, ou em pouquíssimos minutos, alguns dos desenhos mais belos de nosso tempo e estimados por um Breton, como superiores aos de Matisse. E é, ainda agora, com verdadeiro fascínio que o vejo lá na casa de sua velha mãe, numa ladeira de Santa Tereza, sair do brinquedo em que se misturavam as crianças da redondeza e concentrar-se, em relâmpago de tempo, em si mesmo, ou sorrindo, misterioso e alegre, não sei para quem, num jogo maravilhosos e autêntico, no curso do qual passava por vezes, pelas costas, o lápis ou picel de uma mão para a outra, e com o mesmo movimento deixava o outro braço, agora armado, correr livremente pelo pincel, conclusão de um gesto que vinha de longe, nesse momento sim, tudo era jogo, expressão, autenticidade.
(PEDROSA, Mário. Percepção e Estética: textos escolhidos II. São Paulo: editora da USP, 1996. p.327.
Antes de ser definida como patologia, a loucura experimentou outras formas de relação com a cultura. A história reflete como os homens ao longo do tempo lidaram com o inivitável, com o seu medo de perder a 'razão', com o diferente e com as diferenças. Em cada época da história a sociedade introjetou e lidou com a loucura de uma forma. Valmir Adalmor da Silva no livro História da loucura, nos diz que na Grécia antiga a loucura tinha um lugar de "saber divino", ou seja, os loucos eram vistos como mensageiros dos deuses, oráculos que aproximavam os homens das ordens do Olimpo. Além dos filósofos, os seguidores de Esculápio, deus grego da cura, também chamado de Asclépio, se dedicavam aos estudos dos segredos das enfermidades mentais. Neste contexto, a loucura encontrou um lugar social possivel, não era preciso baní-la ou controlá-la, visto que era necessária como instrumento de decodificação da vontade divina.
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