332 389 1 PB
José Domingues
Universidade da Beira Interior
Resumo
Qualquer desejo de identificação do espectador de cinema com um mundo imaginário (a imagem do filme) elabora a percepção do mundo real. Com a identificação, o espectador constitui um quadro objectivo de existência humana - é a concepção desta constituição, no que ela implica de incorporação do espectador no filme, que propõe
Edgar Morin, o objectivo da comunicação.
O cinema ou o homem imaginário (1956), obra de Edgar Morin, fala de cinema.
Mas é também um ensaio de antropologia. As noções de espectador de cinema e homem imaginário estruturam o plano da obra: mistura a realidade imaginária do homem, o universo arcaico dos mitos, deuses, espíritos, que não apenas se encontra impresso na vida real, mas faz parte da vida – ideias que ressaltam do seu livro anterior, O homem e a morte (1951), e inspiram e orientam as interrogações actuais -, e a do cinema, as imagens reproduzidas e produzidas por meios técnicos, o sentimento de realidade que emana das imagens ou a experiência do espectador de cinema. Aborda em comum os dois problemas, o do cinema e o antropológico. Na raiz desta posição está o facto de que o que caracteriza o homo é que ele seja demens, produtor de fantasmas, mitos, ideologias, magias – não é tanto que ele seja faber, fabricador de instrumentos, ou sapiens, racional. Os fantasmas são como iluminações: de uma vida longe da vida, mas que, apesar disso, reconduz à vida: «à imagem da luz que os santos recebem nos quadros místicos, luz perturbante, apesar de vir de um astro já morto» (Morin, 1997:
13). Dir-se-ia que a imagem no ecrã se assemelha a uma experiência de vida. Dir-se-ia que os meios técnicos do cinema revivem a crença numa outra vida. Em O homem e a morte Morin explicita as duas fontes que explicam a crença: uma, é a experiência do duplo, do alter-ego, o outro-eu, que reconhecemos no espelho, na sombra, depois libertamos no sonho; outra, é a crença nas