235502453 Mia Couto Venenos de Deus Remedios Do Diabo 1
34762 palavras
140 páginas
2Bartolomeu Sozinho é um velho mecânico naval moçambicano, aposentado do trabalho, mas não dos sonhos ardentes e dos pesadelos ressentidos que elabora em seu escuro quarto de doente terminal. Ele é atendido em domicílio por Sidónio Rosa, médico português. A narrativa entrelaça a vida de Bartolomeu, de sua rancorosa mulher, Munda, da ausente e quase mitológica Deolinda, filha do casal, do dedicado Doutor “Sidonho”, bem como de Suacelência, o suarento e corrupto administrador de Vila Cacimba, um lugarejo imerso em poeira e cacimbas (neblinas) enganadoras. São vidas feitas de mentiras e ilusões que tornam difícil diferenciar o sonho da realidade. Aparentemente,Sidónio veio de Lisboa para curar a vila de uma epidemia. Mas é o amor pela desaparecida Deolinda, por quem se apaixonara em Lisboa, que impulsiona seus passos mais íntimos.
Quando Deolinda voltou para sua terra natal, Sidónio viu-se teleguiado pelo sonho de reencontrá-la. Mas Vila Cacimba não é o lugar do médico, nem poderá ser jamais.
A imaginação é a memória que enlouqueceu.
Mário Quintana
3
Capítulo um
O médico Sidónio Rosa encolhe-se para vencer a porta, com respeitos de quem estivesse penetrando num ventre. Está visitando a família de
Bartolomeu Sozinho, o mecânico reformado de Vila Cacimba. À porta, a esposa, Dona Munda, não desperdiça palavra, nem despende sorriso.
É o visitante quem arredonda o momento, inquirindo:
— Então, o nosso Bartolomeu está bom?
— Está bom para seguir deitado, de vela e missal…
A voz rouca parece distante, contrariada como se lhe custasse o assunto. O médico acredita não ter entendido. Ele é português, recémchegado a África. Refaz a questão:
— Perguntava eu, Dona Munda, sobre o seu marido…
— Está muito mal. O sal já está todo espalhado no sangue.
— Não é sal, são diabetes.
— Ele recusa. Diz que se ele é diabético, eu sou diabólica.
— Continuam brigando?
— Felizmente, sim. Já não temos outra coisa para fazer. Sabe o que penso,
Doutor? A zanga é a nossa jura de amor.
A dona da