Homosexualidade no continente Africano
NO ATLÂNTICO LUSÓFONO NEGRO*
Luiz Mott**
Mito da inexistência da homossexualidade na África
Os verdadeiros africanos são naturalmente heterossexuais.
Presidente Mugabe1
Oficialmente, teria sido o historiador inglês Edward Gibbon, em 1781, quem primeiro asseverou a inexistência da homossexualidade no continente africano, na obra History of the Decline and Fall of the Roman
Empire: “Acredito e confio que os negros, no seu país, não estão expostos a essa pestilência moral”.2 Manuscritos inéditos da Inquisição Portuguesa conservados na Torre do Tombo de Lisboa obrigam-nos a recuar quando menos já para o século XVII a gênese deste mito: em 1630, é denunciado ao Santo Ofício o novo governador da Ilha do Cabo Verde,
*
**
1
2
Texto apresentado à Conferência The Lusophone Black Atlantic in a Comparative Perspective,
Centre for the Study of Brazilian Culture and Society, King’s College, Londres, 10-11/03/2005.
Agradeço aos organizadores do evento e acadêmicos participantes pelos comentários feitos durante a apresentação.
Professor Titular de Antropologia, Universidade Federal da Bahia, Brasil.
Marc Epprecht, “‘Good God Almighty, What’s This!’: Homosexual ‘Crime’ in Early Colonial
Zimbabwe”, in Steven O. Murray e Will Roscoe (orgs.), Boy Wives and Female Husbands:
Studies of African Homosexualities, Houndmills, Macmillan Press, 1998, p.199.
Edward Gibbon, History of the Decline and Fall of the Roman Empire, London, Methuen &
Co, 1925 [1781], p. 506 (tradução do autor).
Afro-Ásia,33 (2005), 9-33
mott.pmd
9
9
01/04/06, 17:36
Cristóvão Cabral, réu confesso de numerosos atos de sodomia.3 Em seu despacho, os inquisidores ratificam o mito:
Seria muito contra o serviço de Deus e de Sua Majestade ir para
Cabo Verde um governador tão inculpado no pecado nefando e tão murmurado já de muitos tempos, para terra onde pecará sem receio, nem limite, e deixará lá introduzido este abominável